ENTREVISTA EXCLUSIVA.- O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) tem alcance global e trabalha em todas as regiões do mundo, incluindo a América Latina. Há dois anos, estabeleceu uma iniciativa específica sobre seguros e financiamento de riscos, chamada Insurance and Risk Finance Facility (IRFF).
Para conhecer mais sobre essa iniciativa, conversamos com o responsável por ela, que trabalha na sede das Nações Unidas em Genebra, Suíça, Miguel Solana, Consultor Sênior de Seguros e Finanças de Risco – Insurance and Risk Finance Facility (IRFF PNUD).
Além disso, para entender o caso específico de um país em nossa região, tivemos a oportunidade de conversar com María Eugenia Di Paola, Coordenadora de Programa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento na Argentina; juntamente com Marcelo Adrián Borré, Coordenador Associado de Projetos de Seguros Inclusivos e Transferência de Riscos da IRFF – PNUD Argentina.
A missão do IRFF e sua presença na América Latina
Na primeira parte da entrevista, o mexicano Miguel Solana nos conta em detalhes sobre essa iniciativa que lidera dentro do PNUD.
InsurMarket Latam: Como foi criado e qual é o objetivo específico do Insurance and Risk Finance Facility (IRFF) dentro do PNUD?
Miguel Solana: O PNUD está expandindo seu trabalho globalmente em relação às finanças sustentáveis e, em 2021, criou uma iniciativa sobre seguros e financiamento de riscos: o Insurance and Risk Finance Facility (IRFF) dentro do Sustainable Finance Hub, com o objetivo de apoiar tecnicamente as agências do PNUD nos países e seus parceiros nacionais em todo o mundo, apoiando políticas públicas, regulamentação e todos os elementos do ambiente do setor de seguros. O IRFF gerencia a representação global do PNUD no campo dos seguros.
Iniciativas-chave, como o Insurance Development Forum, a Aliança Global InsuResilience e a Ocean Risk and Resilience Action Alliance, tornaram-se estratégias de coordenação global para a contribuição do setor de seguros à agenda de desenvolvimento. Elas reúnem governos, organizações internacionais e o setor de seguros.
Cada vez mais, essas iniciativas estão avançando da política para a programação de atividades, com um forte foco não apenas em fornecer soluções de financiamento de riscos e seguros para países e comunidades, mas também em uma mudança transformadora em torno da inclusão dos mercados de seguros.
O IRFF abrange uma variedade de áreas críticas onde soluções de seguros e transferência de riscos, bem como a colaboração com a indústria, podem contribuir significativamente para o alcance e cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) por meio de suas intervenções em temas como seguros inclusivos, financiamento de risco soberano, papel do setor de seguros no setor de investimentos, capital natural, microsseguros de saúde, desenvolvimento e produtividade de pequenas e médias empresas, entre outros.
IML: Na Argentina, vocês lançaram recentemente o “Navegador de Seguros Inclusivos” e um diagnóstico sobre o país nesse campo. Poderia nos explicar sobre essas iniciativas?
M.S.: Desenvolvemos um diagnóstico sobre o sistema de seguros e financiamento de riscos na Argentina, no qual foram analisados elementos regulatórios e legislativos, oferta e demanda de serviços, bem como canais de distribuição em nível nacional, com foco no desenvolvimento sustentável. Esse documento permite ao IRFF PNUD criar soluções sob medida para o país. Da mesma forma, governos e empresas privadas podem se beneficiar das descobertas e recomendações resultantes do relatório.
Tudo isso é feito com o objetivo de entender as boas práticas e as barreiras, tanto na oferta (seguradoras) quanto na demanda (pessoas e entidades usuárias), que surgem na adoção de seguros e propor soluções para aumentar a inclusão financeira nesse setor.
No que diz respeito ao financiamento de risco soberano, analisamos os desastres que a Argentina sofreu nos últimos 100 anos e suas consequências econômicas. Os leitores encontrarão um levantamento do estado atual dos sistemas e da legislação em gestão integral de riscos, onde, além de identificar problemas, são sugeridas possíveis soluções. O diagnóstico já está disponível no site do PNUD Argentina.
Por outro lado, o “Navegador de Seguros Inclusivos” é uma ferramenta desenvolvida pelo IRFF do PNUD que será de grande ajuda para todo o setor de seguros. Foi concebido para atender às necessidades das seguradoras, canais de distribuição e partes interessadas que desejam desenvolver programas ou iniciativas de seguros inclusivos.
Coletamos e organizamos lições aprendidas na última década e as transformamos em aplicações práticas que aceleram o trabalho dos profissionais do setor, independentemente de sua experiência em métodos de pesquisa e seguros inclusivos.
Partindo do princípio de que seguros inclusivos centrados nas necessidades dos clientes permitirão que eles percebam o valor dos produtos, os leitores poderão navegar por diferentes “rotas” que os ensinarão a criar, comunicar e oferecer valor aos diferentes segmentos de mercado que atualmente não têm acesso ao seguro de maneira tradicional.
O Navegador abrange todo o processo de desenvolvimento do produto, desde a compreensão do mercado, o design do produto, até a venda, distribuição e todos os serviços e atendimento aos usuários do produto. Ele apresenta experiências globais, metodologias de trabalho, ferramentas e lições para a indústria de seguros sobre como criar com sucesso mercados e produtos de seguros inclusivos.
Esperamos que se torne uma ferramenta indispensável no processo de design de seguros com impacto e acreditamos que economizará tempo e dinheiro para as organizações.
IML: O IRFF está presente em outros países da região?
M.S.: Além da Argentina, na região, o IRFF está ativo na Colômbia, México, República Dominicana e Equador.
IML: Qual é o papel que a tecnologia e a inovação desempenham nos programas que o PNUD implementa em relação a seguros e financiamento de riscos?
M.S.: O PNUD publicou o Relatório de Desenvolvimento Humano 2021/2022, intitulado “Tiempos inciertos, vidas inestables: configurando nuestro futuro en un mundo en transformación”, que destaca que mais de 90% dos países experimentaram uma regressão em seus indicadores de progresso, como esperança de vida, educação e economia, devido à pandemia, guerras e mudanças climáticas desde 2019. A curva de progresso global foi quebrada e, pela primeira vez em mais de três décadas, vimos o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) diminuir por dois anos consecutivos.
No entanto, o relatório também nos traz esperança, pois mostra uma clara trajetória no papel integrador do PNUD, por meio de respostas focadas em investimento, seguros e inovação para alcançar resiliência e recuperar o caminho para a prosperidade. A inovação é entendida em suas múltiplas formas: tecnológica, econômica e cultural. O papel vital da inovação para enfrentar tanto os desafios conhecidos quanto os desconhecidos que a humanidade enfrenta é inegável.
Para o PNUD, o desenvolvimento humano não é eterno nem automático, e as conquistas ao longo do tempo podem ser revertidas facilmente devido a diversos choques, afetando desproporcionalmente os segmentos da população mais vulneráveis.
Nesse contexto, os seguros permitem proteger as conquistas alcançadas e criar resiliência diante de crises futuras. Além disso, representam uma oportunidade para evitar custos mais altos associados aos impactos de desastres, se uma estratégia eficaz de gestão de riscos e preparação para resposta for implementada, uma vez que se estima que uma maior cobertura de seguros poderia reduzir as perdas nos países mais pobres em até 25%.
O PNUD continua comprometido em buscar soluções inovadoras para aumentar a resiliência, especialmente para as pessoas mais vulneráveis, para não deixar ninguém para trás.
Acreditamos firmemente que os seguros e o financiamento de riscos desempenham um papel fundamental no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A experiência demonstra que os países com altos níveis de penetração de seguros são aqueles que mais avançaram no cumprimento de seus compromissos com os ODS.
Além disso, o IRFF estabeleceu na Argentina um plano de trabalho destinado a fortalecer e desenvolver ferramentas locais para incorporar seguros no desenvolvimento, promover seguros inclusivos, reduzir os custos das catástrofes para as populações mais vulneráveis e fortalecer a resiliência da sociedade.
Nesse sentido, uma das atividades programáticas do IRFF na Argentina envolve a criação de alianças estratégicas com atores relevantes na indústria de seguros, especialmente no campo das insurtechs, com o objetivo de gerar soluções que contribuam para o desenvolvimento de seguros inclusivos, tanto do ponto de vista da oferta quanto da demanda. A colaboração de todos os atores relevantes no país, incluindo o setor privado, em relação aos sistemas de
financiamento de riscos e seguros, ajudará a impulsionar o desenvolvimento econômico e a resiliência da sociedade argentina, permitindo que pessoas, empresas e governos tenham uma maior segurança financeira e reduzam o impacto negativo de eventos adversos em sua capacidade de gerar renda e prosperar.
Além disso, em conjunto com a ICMIF (Federação Internacional de Seguros Cooperativos e Mútuos), o PNUD lançou no início deste ano o “Desafio de Inovação em Seguros”, um fundo destinado a apoiar iniciativas de seguros inclusivos de seguradoras mútuas e cooperativas, com um foco especial em mulheres, inovação e sustentabilidade, promovendo assim a resiliência financeira das pessoas de baixa renda. Os beneficiários desses recursos devem usá-los para desenvolver e distribuir produtos de seguros acessíveis projetados especificamente para os lares mais vulneráveis, contribuindo assim para o alcance dos ODS.
No México, o IRFF lançou um projeto em colaboração com o Insurance Development Forum e o governo alemão, no qual desenvolveu uma solução de seguro paramétrico (pagamento automático quando índices que podem ser medidos com tecnologia são atingidos) que cobriu mais de 10.000 pequenos agricultores contra os riscos de inundações e secas. A cobertura foi ativada duas vezes durante o teste piloto, e mais de 1.400 produtores receberam um pagamento direto.
O IRFF, juntamente com o PNUD Colômbia, o Ministério das Finanças e Crédito Público e a Unidade de Projeção Normativa e Estudos de Regulamentação Financeira URF, publicou um documento de pesquisa sobre seguros paramétricos, onde analisa os setores de aplicabilidade, experiências, regulamentações internacionais, tecnologias e melhores práticas. O relatório revisa casos relevantes em diferentes mercados, identificando como novos atores e ferramentas foram incorporados à cadeia de valor dos seguros, como plataformas de cálculo, intermediação por meio de ecossistemas digitais, mecanismos alternativos ao resseguro e a adoção de tecnologias como o blockchain (LINK).
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o caso da Argentina
Para entender sobre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), María Eugenia Di Paola e Marcelo Adrián Borré nos fornecem detalhes sobre ele e, especificamente, o caso da Argentina, onde mais de 60 pessoas trabalham e têm atividades próprias desde a década de 1980.
InsurMarket Latam: O que envolve o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento?
Di Paola e Borré: O PNUD trabalha em cerca de 170 países e territórios, ajudando a erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades e a exclusão, e desenvolver a resiliência para que os países possam progredir. Como agência de desenvolvimento da ONU, o PNUD desempenha um papel fundamental em ajudar os países a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
O mandato do PNUD é contribuir para o desenvolvimento humano e sustentável, com o objetivo de erradicar a pobreza em um contexto institucional democrático, livre de corrupção, com base no respeito ao quadro de direitos, conforme estabelecido na Carta das Nações Unidas.
IML: E no caso específico da Argentina, como um exemplo na América Latina?
M.E.D. e M.B.: Na Argentina, o PNUD coordena suas atividades com agências e órgãos especializados do sistema da ONU, fornecendo assistência relacionada às prioridades nacionais para atingir as metas estabelecidas nas diferentes Cúpulas Mundiais e, mais recentemente, para acompanhar a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, compromissos assumidos em setembro de 2015.
Para contribuir com o Desenvolvimento Humano Sustentável e o Desenvolvimento de Capacidades em um contexto institucional democrático, o PNUD na Argentina concentra sua atuação em quatro grandes áreas: desenvolvimento inclusivo (abrangendo emprego, seguridade social, serviços sociais básicos, educação, juventude); meio ambiente e desenvolvimento sustentável (apoiando a proteção dos ecossistemas e a gestão de recursos naturais, a geração e o uso de energias renováveis, assistência em desastres, prevenção e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, promoção da biodiversidade); governança democrática (trabalhando na modernização do Estado, participação cidadã, acesso à justiça, combate ao crime organizado, corrupção e promoção de uma abordagem baseada em direitos e direitos humanos); e promoção da igualdade de gênero, incorporando seu enfoque em toda a carteira de projetos e trabalhando pela equidade e eliminação das desigualdades.
Seus parceiros e contrapartes incluem entidades do setor público e governamental, sociedade civil, setor privado, empresas e academia. O PNUD também gera e promove conhecimento, como os Relatórios de Desenvolvimento Humano, a Coleção Contribuições para o Desenvolvimento Humano, estudos relacionados à inclusão das comunidades LGBTI, bem como guias, manuais e outros produtos que incorporam a transversalização do enfoque de gênero em sua carteira de projetos de cooperação e em diversas iniciativas nacionais e regionais.
IML: Em poucas palavras, como vocês resumiriam o papel do PNUD?
M.E.D. e M.B.: O trabalho do PNUD é resumido no Plano Estratégico com o quadro “3x6x3”: 3 Direções de Mudança (apoiar os países em três direções de mudança: transformação estrutural, não deixar ninguém para trás, fomentar a resiliência), 6 Soluções emblemáticas (pobreza e desigualdade, governança, resiliência, meio ambiente, energia, igualdade de gênero) e 3 Catalisadores (com o reforço de três catalisadores: inovação estratégica, digitalização, financiamento para o desenvolvimento).